CHAMADOS PARA A CRUZ
“Os Stigmata”
João 12:20-36
Por Iran Bernardes da Costa
Açoites
“Para Paulo a vida cristã não é feita só de sofrimentos espirituais, mas também de sofrimentos físicos. Isto não significa que se ainda não tenhamos sofrido, ou não estejamos preparados para sofrer tortura, perseguição, ataques de bestas feras (humanas) (Salmo 22), não sejamos bons cristãos; entretanto, são essas tribulações que vão purificar nosso caráter cristão. Mais uma vez, devemos lembrar que “o sangue dos mártires foi a semente da Igreja”. (William Barclay, em seu Comentário de 2 Co. 6:1-10)
CHAMADOS PARA A CRUZ
Os Stigmata
João 12:20-36
Esta passagem das Escrituras é uma das poucas a apresentar uma imagem mental das mais chocantes para aqueles que a lêem ou ouvem.
Aqui o Senhor Jesus começa com uma palavra que todo mundo quer ouvir, mas continua com uma série de palavras que poucos apreciariam.
Jesus começa, ao responder à indagação dos gregos que o procuravam, com a seguinte expressão:
“É chegada a hora de ser glorificado o Filho do Homem” (v.23).
A História vinha sendo construída desde os tempos mais antigos e agora estava preste a culminar com um evento muito esperado pelos judeus, ou seja, a vinda do “Filho do Homem”.
A expressão “Filho do Homem” foi tomada de Daniel 7:13,14, que diz:
“Eu estava olhando nas minhas visões de noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem, e dirigiu-se ao ancião de dias, e o fizeram chegam até ele. Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído”.
Quando Jesus disse que “é chegada a hora de ser glorificado o Filho do Homem”, todo mundo se lembrou da profecia de Daniel. Só que, embora estivesse falando da mesma pessoa, o Messias, Jesus se referia a uma situação muito diferente daquela que os judeus estavam pensando.
Enquanto os judeus se fixavam no “Filho do Homem” que teria chegado para dominar sobre as nações, trazendo vingança sobre elas, e exercendo seu poder e domínio, como diz a profecia de Daniel, Jesus, por sua vez se concentrava numa realidade totalmente oposta à que todos pensavam.
Os judeus sonhavam com uma “época de ouro” e de muita glória. Por outro lado Jesus está cogitando de outro valor muito diferente das aspirações deles. Os judeus pensavam de um libertador político poderoso; Jesus visualizava a cena de um servo humilde em direção à cruz.
Como é fácil para o ser humano pensar nas coisas e valores de sua conveniência! Hoje não é diferente. Estamos numa época que poderia ser chamada de neo-hedonismo. O hedonismo é uma atitude humanista que se caracteriza pela rejeição de todo tipo de sofrimento e um esforço em busca do prazer.
Toda a sociedade, inclusive a própria igreja evangélica, tem adotado o hedonismo em suas formas variadas. Não tem chegado ao padrão de maturidade moral capaz de afastar-se dessa perniciosa tendência para o conforto e fuga da dor. A mensagem, hoje apresentada, principalmente pelos tele-evangelistas, é a mensagem baseada na gratificação, e isto tem evoluído para atitudes cada vez mais ego-centralizadas.
Será o que Jesus tinha em mente quando disse: “é chegada a hora em que o Filho do Homem será glorificado”? Será que estava se referindo ao mesmo gênero de glória que a humanidade está acostumada a buscar? E nós, que fazemos parte de um movimento que propõe a restauração de uma nova ordem, pela “conspiração do grão de mostarda”, o que pensamos?
A verdade é que, enquanto os judeus pensavam de um “Filho do Homem” que viesse como um grande nacionalista que dominaria os reinos do mundo e os subjugaria debaixo dos seus pés, Jesus estava reafirmando o seu destino fatal, sua eminente crucificação. Sua conquista não seria pela força nem pelo poder, mas pela cruz.
Inicialmente a palavra de Jesus teria chamado a atenção dos judeus para a glória; mais à frente segue uma série de palavras desapontadoras. Jesus não estava falando de conquistas, mas de sacrifício e morte.
Nós só passamos a compreender o desígnio de Jesus ao proferir tais palavras no momento que Ele deixa claro que ele está usando as palavras no sentido inverso. “Glorificado”, naquele contexto significava “crucificado”. Jesus faz isso para não sobrar dúvida alguma de que o sonho dos judeus de conquistar o mundo pela força é substituído por uma outra visão, a visão da cruz.
Na verdade, a idéia de sacrifício e cruz nunca é bem vinda. Até o apóstolo Pedro, foi uma vez duramente repreendido por causa de sua atitude hedonista.
Jesus acabara de anunciar sua partida para Jerusalém, onde seria traído e morto. Pedro toma a palavra e lhe sugere não fazer tal “estupidez”. Ao que Jesus lhe repreende: “Afasta de mim, satanás! Porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens”.
Para deixar ainda mais evidente que Jesus falava da cruz, Ele usou a figura do grão de trigo plantado na terra, que para dar fruto, precisa morrer.
Quando Jesus falava ali acerca do Filho do Homem, a idéia era outra bem diferente da que o povo imaginava. Os judeus cogitavam de um “Filho do Homem” muito poderoso, conquistador e dominador como descreve Daniel:
…”um como Filho do homem… a quem foi dado domínio, e glória, e o reino para que os povos, nações, e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído”.
Dentro do contexto que os judeus se situavam, eles pensavam que Jesus estivesse falando de um “Filho do Homem” que teria vindo para dominar sobre as nações, trazendo vingança sobre elas. A mente dos discípulos, provavelmente estivesse voltada para esse mesmo cenário, pois Jesus estava falando que “a hora havia chegado e o Filho do Homem seria glorificado”.
Enquanto o povo se fixava na glória, Jesus estava usando suas palavras no sentido contrário para se referir a uma realidade totalmente diferente.
Os judeus sonhavam com uma “época de ouro” e muita glória; a realidade de Jesus estava muito longe das aspirações deles. Eles pensavam de um libertador político poderoso, Jesus tinha em mente e no coração um servo em direção à cruz.
De acordo com este episódio e as palavras de Jesus, podemos concluir que a cogitação do ser humano é o conforto, sem passar pela cruz; a cogitação de Deus é a cruz, depois, o conforto.
Jesus estava consciente de que, para ele, o ser glorificado era o mesmo que ser crucificado.
Em nosso texto, João 12, Jesus deixou muito claro que ele falava da cruz pela associação que ele faz entre a palavra “glorificado” com “o grão de trigo plantado na terra”, que para dar fruto, precisa morrer.
PAULO “Ad CRUCEM”
Paulo também teve o privilégio de experimentar a glória, a glória da cruz. Um dos textos mais clássicos do apóstolo é Gálatas 2:19-21, que diz:
“Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora atenho na carne, vivo pela fé no filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim”.
Paulo está consciente de sua experiência de crucificação. Num outro lugar escreve parte de sua experiência com a cruz. Em Segunda aos Coríntios 11:19-33 ele nos dá um relato vívido do que sofreu por Cristo, vejamos:
“Porque, sendo vós sensatos, de boa mente tolerais os insensatos. Pois sois sofredores, se alguém vos põe em servidão, se alguém vos devora, se alguém vos apanha, se alguém se exalta, se alguém vos fere no rosto. Envergonhado o digo, como se nós fôssemos fracos, mas no que qualquer tem ousadia (com insensatez falo) também eu tenho ousadia. São hebreus? Também eu. São israelitas? Também eu. São descendência de Abraão? Também eu. São ministros de Cristo? (falo como fora de mim) eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de morte, muitas vezes. Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez. Além das coisas exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas. Quem enfraquece, que eu também não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu me não abrase? Se convém gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza. O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que é eternamente bendito, sabe que não minto. Em Damasco, o que governava sob o rei Aretas pôs guardas às portas da cidade dos damascenos, para me prenderem. E fui descido num cesto por uma janela da muralha; e assim escapei das suas mãos”.
A experiência que Paulo teve da cruz e as revelações que recebe do significado dela para a eficácia do seu caráter e ministério, estão também citadas por ele em Gálatas, como passamos a ver:
“Porventura, procuro eu, agora, o favor dos homens ou de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo. Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo”.
E, no penúltimo verso de sua carta aos Gálatas, Paulo conclui com chave de ouro: “Quanto ao mais, ninguém me moleste; porque eu trago no corpo as marcas de Jesus” (6:17).
Nestas últimas palavras de Paulo aos Gálatas, ele usa uma palavra-chave, para mostrar que tinha sido crucificado e com isto ele se identificava como um escravo de Jesus Cristo. Para ilustrar isto Paulo usa a palavra “stigmata”. Isto significa marcas profundas no corpo de uma pessoa, às vezes acompanhadas por sangramento. Stigmas são escaras deixadas no corpo em decorrência de varadas, perfurações. Podem ser causadas por períodos longos de stress e desgraças sociais. No caso de Paulo, ele teve diversas oportunidades de contrair esses encaras, como por exemplo, no seu apedrejamento, em Listra:
“Sobrevieram, porém, judeus de Antioquia e Icônio e, instigando as multidões e apedrejando a Paulo, arrastaram-no para fora da cidade, dando-o por morto” (Atos 14:19).
O mesmo aconteceu a Estevão (Atos 7:59).
Nos tempos bíblicos do Velho Testamento temos narrativas de Senhores que perfuravam as orelhas de seus servos para identificá-los como seus escravos para sempre. Com relação a Paulo, ele está dizendo: “as marcas e as escaras que eu carrego comigo são para meu testemunho ao Senhor, o qual será minha coroa e glória”.
JESUS “ad CRUCEM”
Como seria Jesus descrevendo sua própria crucificação?
Temos na Bíblia um Salmo melódico, composto por Davi, chamado “Corça da Manhã”. Jesus, como um bom judeu, e, sendo ele o Messias, freqüentemente cantava esse salmo e foram palavras desse salmo que Jesus proferiu quando pendurado na cruz. Antes de ver esse salmo, vejamos o conhecido salmo vinte e três. O que mais, sempre, nos interessou nesse salmo?
Provisão completa
Repouso
Pastos verdejantes
Águas de descanso
Veredas da justiça
Proteção
Consolo
Uma mesa farta
Desprezo aos adversários
Unção
Transbordamento
Bondade e misericórdia
Vida eterna
Aqui estão as coisas que os chamados “crentes” mais buscam para suas vidas. Em nosso tempo de adolescente, nos acampamentos, sempre fomos desafiados a memorizar o Salmo do Pastor. Eu sou grato por isso. Que bom que muitos de nós tem na memória e no coração vários textos tão amáveis e doces como esse, mas será por que nossa atenção não se vota também para passagens bíblicas que nos revelam a outra realidade do nosso discipulado? Creio que é porque seja próprio da natureza humana fugir da dor e buscar o prazer. Agora, o que está reservado na realidade descrita por Jesus, no Salmo 22?
Desamparo
Não ser ouvido
Falta de sossego
Aviltação do ser (verme, v. 6)
Ser zombado
Afronta
Tribulação sem socorro
Agressão
Injustiça
Quebrantamento
Humilhação
Emagrecimento
Fragilidade
Boca ressecada
Coração esmagado
Falta de vigor
Cercado de falsos irmão(cães e touros)
Desprezo e julgamento
Mãos traspassadas
Espoliamento das únicas coisas que tem, as vestes
Súplica e adoração, aparente e temporariamente não respondidas
Resignação completa
Aceitação plena das soberania de Deus.
“IBIS Ad CRUCEM”
Não estamos fazendo a apologia do sofrimento. Sofrimento em si e por si apenas, não operam a verdadeira experiência da cruz. Sofrer por sofrer todos podem. Não estamos falando só de sofrimento. Mas sim, estamos tratando de uma realidade muito mais completa que deve envolver a vida de todo discípulo de Jesus Cristo.
A Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo foi para nos assegurar a certeza da vida eterna, mediante o lavar dos nossos pecados. A nossa cruz é para o tratamento e aperfeiçoamento do caráter. Duas realidades nos podem levar à experiência da nossa cruz:
- O sofrimento em razão do nosso envolvimento com o Senhor
- E a revelação do Espírito Santo.
Não é apenas uma questão de sofrer. É sofrer com Ele e por Ele; e reconhecer no sofrimento, a operação da vontade de Deus em nosso ser, nos tratando e moldando o nosso caráter. Lembro-me agora, de alguns textos bíblicos que nos remetem para essa realidade da nossa cruz.
“Não penseis que vim trazer paz a terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e a sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou a sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim; e quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim. Quem acha a vida perdê-la-á; quem, todavia perder a vida por minha causa achá-la-á” (Mateus 10:34-39).
Aqui temos a boa notícia: Há uma cruz reservada para cada um de nós. Muitos de nós estamos vivendo apenas ao nível do Salmo do pastor amoroso; entretanto nunca chagamos a compreender as realidades do Salmo do Servo Sofredor. Temos nas Escrituras duas graças maravilhosas. O contexto delas é uma situação em Paulo aconselha os irmãos Filipenses a “que em nada se sentissem intimidados pelos adversários. Pois o que é para eles prova evidente de perdição é, para vós outros, de salvação, e isto da parte de Deus. Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele, pois tendes o mesmo combate que vistes em mi e, ainda agora, ouvis que é o meu” (Filipenses. 1:28:30).
CONCLUSÃO
O FRUTO DA CRUZ
ü Contentamento:
ü Viver em Cristo:
ü Justiça própria tratada:
ü Ressentimentos curados:
ü Perdão:
ü Misericórdia:
ü Auto-Estima curada:
ü Relacionamentos sadios e duradouros:
ü Sofre o dano:
ü Não se justifica:
ü Transparência:
ü Preciosidade e pureza – “O diamante das próprias cinzas”:
ü Trabalho – Christmas Evans:
Frutificação – “O grão de trigo plantado na terra”.